sexta-feira, 22 de maio de 2009

Identificação


Quando trabalhei na função de arte–educador do Museu Metropolitano de Arte, da Fundação Cultural de Curitiba, isso lá por 1996, aprendi como olhar uma obra de arte. Seja a partir da divisão da tela em formas geométricas, ou pela definição de como a luz entra e se espalha pelas figuras, ou pela distribuição do claro-escuro, para entender uma obra formalmente. Contudo, havia momentos em que uma obra qualquer mesmerizava irresistivelmente a atenção. Sem motivo aparente, sem ao menos conter algum detalhe extraordinário que justificasse a atração.

Algumas, como o detalhe das mãos de uma colhedora de chá numa foto do Sebastião Salgado, ou uma árvore solitária resistindo num campo queimado, registrado por Franz Kracjberg, ou uma gravura de Artur Luiz chamada “Fruit Defendu”, ou um parquinho de Djanira, cada uma parecia falar diretamente comigo, identificando-se de imediato, sem usar nenhuma técnica de distanciar com os olhos semicerrados ou de contestualizar tempo e espaço, apenas se identificava claramente.

Com “O Leopardo”, acontece a todo momento. O tom quase de conversa do livro, com começo, pausa para explicar, recomeço e continuação da frase, por exemplo, cria intimidade com o leitor. Os sentimentos e pensamentos do personagem são simples e francos. Sempre sabemos o que realmente sente e o que é obrigado a aparentar, pois é homem culto numa função pueril de pai, senhor feudal e estereótipo de uma época.

Nada se compara a estar lendo e de repente saber exatamente como é acordar com aquele azedume que é sensação de irrealidade diante da estupidez de certos gestos e rituais cotidianos. Deparar-se com uma frase que exprime todo um sistema e todo um sentido é dialogar com a obra.

Às vezes, acho que esse livro caiu em minhas mãos na época certa, quando atingi a necessária maturidade para fruir por imediata identificação essa excelente obra de arte, esses objetos do engenho humano que facilmente se universalizam, pois contém elementos universais comuns a todos os seres humanos.

Só de uma experiência sinto falta, de beber um bom vinho Marsala.

Um comentário:

  1. Pois eu já bebi. É forte, aromático e meio licoroso. O Leopardo sabia usufruir das delícias do feudo.

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