domingo, 29 de julho de 2018

Erros Sem Fim na Nova Edição de "Em Busca do Tempo Perdido"

Existem vários níveis para qualquer leitura.

Nível Leve

Você lê de forma rápida e simplificada, buscando mais os trechos de ação, sem se importar com a memorização. É leitura de passar o tempo ou apenas para diversão. 
Milhões de textos podem ser lidos assim.

Nível Intenso

Leitura detalhada de cada palavra e frase, com atenção na pontuação e em cada informação que o texto apresenta, concentrada em captar precisamente o raciocínio construído pelo Autor.
Bons autores clássicos e a maioria dos textos técnicos devem ser lidos neste nível.

Nível Natural

Forma de leitura rápida mas com o interesse focado apenas em trechos mais importantes da narrativa e captando uma ou outra informação relevante para o leitor naquele momento específico de sua vida.

Tentei ler no Nível Intenso os sete livros de "Em Busca do Tempo Perdido", de Marcel Proust, na nova tradução de Fernando Py e editado pela Editora Nova Fronteira, mas foi impossível.

A cada duas ou três páginas encontro um enorme erro de
digitação que parece um enorme buraco numa estrada perfeita.

O ritmo é interrompido, até entender que realmente duas palavras estão erroneamente unidas, foi trocado o "que" pelo "de", aparece a expressão "seu avó", "prestígio seu igual" ao invés de "prestígio sem igual", palavras faltando e outros erros tolos sem fim.

É apenas neste primeiro volume que reúne "No Caminho de Swann" e "À Sombra das Moças em Flor". Os outros dois volumes estão normais e corretos, como se espera. 

Isso a todo momento e a cada poucas páginas.

Pobre, ignorante, apressada, descuidada, relaxada.

Assim é a Editoração e Revisão de "Em Busca do Tempo Perdido", na publicação da Editora Nova Fronteira.

Hoje, tento ler em um Nível Natural, olhando para essa estrada cheio de cuidados, pois é cheia de buracos.

Entrei em contato com uma das revisoras indicadas, para saber se pretendiam publicar uma ERRATA, mesmo on-line. Expliquei que estou na página 547 do primeiro volume e já encontrei pelo menos uns 30 erros gritantes, irritantes e infantis. Ela me pediu que mandasse fotos dos erros (essa gente que depende dos outros para fazer o seu trabalho).

Estou decepcionado.

Para compensar estou confirmando a tradução através de comparação com a de Mário Quintana, na boa publicação da Abril Cultural. Ainda dou umas conferidas no PDF que baixei de La Bibliothèque électronique du Québec, só  para confirmar. 

Por exemplo...

Erro que verifiquei dezena de vezes neste volume, palavras juntadas. Na página 743 de À Sombra das Moças em Flor, 
esse deslize irritante muito próprio de quem usou um simples corretor automático de texto, ao invés de trabalhar de verdade e realizar uma verdadeira REVISÃO.

Assim "iludir à" virou "iludirá", sem nenhum sentido na frase.


Infelizmente, não é só esta editora neste volume que a pobre indústria gráfica brasileira mostra suas deficiências. 

O livro "Baudolino" de Umberto Eco. Li uma boa vintena de vezes a palavra "senão" quando deveria estar escrito "se não".

Quem errou foi a Editora Record em 2001.

terça-feira, 20 de março de 2018

Em busca de uma Tradução para Marcel Proust

Ler Marcel Proust é um prazer.

Descubro que temos um milhão de coisas em comum.

Percebo que ele vê o Mundo e sente as coisas quase como se fosse eu mesmo.

Longe de ser um escritor árido ou erudito, fala comigo com a mesma facilidade que um quadro ou uma música com a qual me identifico de maneira intensa e inexplicável, como uma epifania atrás da outra.

Mas, ai de mim, não sou capaz de ler no original francês. Leio um pouco, entendo quase tudo, mas não falo e, principalmente, não leio com fluência. Assim, a leitura é penosa e incompleta.

Só me resta ler traduções, significando que preciso recorrer às duas disponíveis no Português Brasileiro.



A primeira tradução é de autoria de Mario Quintana (1906 - 1994, gaúcho de Alegrete). Poeta, tradutor e Jornalista brasileiro, único tradutor do À Sombra das Raparigas em Flor e dos outros três primeiros livros de Em Busca do Tempo Perdido. Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade também atuaram na tradução dos demais livros de Marcel Proust para a Editora Globo no início dos anos 50.

A outra tradução é recente, feita por Fernando Py (1935, carioca). Poeta, crítico literário e tradutor de toda a obra de Proust.

Quem sou em para comparar, além de só ser leitor, ainda não li toda a tradução de Py. Mas uma coisa ou outra me chama atenção.

Vou ser bem específico numa frase, melhor, uma expressão  do "À Sombra...".

Enquanto está assim no original Francês: 

À l’ombre des jeunes filles en fleurs

 Vaugoubert n’a pas eu à faire face seulement aux intrigues de couloirs mais aux injures de folliculaires à gages qui plus tard, lâches comme l’est tout journaliste stipendié, ont été des premiers à demander l’aman, mais qui en attendant n’ont pas reculé à faire état, contre notre représentant, des ineptes accusations de gens sans aveu.


La Bibliothèque électronique du Québec
 Collection À tous les vents Volume 402 : version 1.0

Mario Quintana traduz como "jornalista estipendiado".

Fernando Py traduz como "jornalista venal".

Não dá para discordar de Quintana, apesar de Venal e Estipendiado terem significado semelhantes, estão longe de ser idênticos. Enquanto estipêndio é remuneração não assalariada, venal é o valor monetário atribuído a algo.

Logo, Marcel Proust usou stipendié, que tem a mesma origem latina de estipêndio, para se referir a um profissional de jornalismo que recebe remuneração para atender a outros interesses diferentes da divulgação dos fatos verdadeiros que tem por dever e  ética divulgar.

Estou lendo a tradução de Fernando Py. 

É mais fácil de ler, com certeza. Mas a escolha de palavras não acrescenta muito mais ao leitor. Foram escolhidas similares mais lugar-comum e menos castiças. Gosto do uso de palavras mais elaboradas e à beira do pedante como é Proust, é preciso reconhecer.

Outro detalhe é que a obra foi originalmente publicada entre 1911 e 1922 e a gente sempre espera que tenha um ranço de coisa antiga, de um tempo de mais classe do que o nosso, com uso de todas as possibilidades de uma língua e não só o punhadinho de palavras que usamos hoje em dia.

Por exemplo, Py traduz "psiquiatra" quando o termo é "alienista", que em francês é quase igual. Assim eram chamados os médicos de doenças mentais naquela época. 

Sinto que estou perdendo alguma coisa que nem Mario Quintana e nem Fernando Py  puderam me proporcionar, mas é o que tenho. 

Mas que estipendiado tem muito mais sonoridade do que venal, isso é inquestionável.

Um aspecto que acho muito perturbador nesta edição capa dura em box da Editora Nova Fronteira e que atrapalha demais a leitura, são os constantes erros de digitação ou impressão. 

Frases sem sentido trocando o "que" por "de". Outra passagem com "seu avó", ficando-se sem saber se ele queria dizer "seu avô" ou "sua avó". 

Em dois trechos simplesmente está faltando uma palavra inteira. Típico erro que uma revisão de texto do word não assinala.

E estou apenas no começo.

Mercadoria com defeito deveria ser substituída por outra em perfeito estado. Devolvo à editora e recebo outro sem erros, pois sou um consumidor lesado. 

Esta é a pobre indústria gráfica editorial brasileira.