domingo, 29 de julho de 2018

Erros Sem Fim na Nova Edição de "Em Busca do Tempo Perdido"

Existem vários níveis para qualquer leitura.

Nível Leve

Você lê de forma rápida e simplificada, buscando mais os trechos de ação, sem se importar com a memorização. É leitura de passar o tempo ou apenas para diversão. 
Milhões de textos podem ser lidos assim.

Nível Intenso

Leitura detalhada de cada palavra e frase, com atenção na pontuação e em cada informação que o texto apresenta, concentrada em captar precisamente o raciocínio construído pelo Autor.
Bons autores clássicos e a maioria dos textos técnicos devem ser lidos neste nível.

Nível Natural

Forma de leitura rápida mas com o interesse focado apenas em trechos mais importantes da narrativa e captando uma ou outra informação relevante para o leitor naquele momento específico de sua vida.

Tentei ler no Nível Intenso os sete livros de "Em Busca do Tempo Perdido", de Marcel Proust, na nova tradução de Fernando Py e editado pela Editora Nova Fronteira, mas foi impossível.

A cada duas ou três páginas encontro um enorme erro de
digitação que parece um enorme buraco numa estrada perfeita.

O ritmo é interrompido, até entender que realmente duas palavras estão erroneamente unidas, foi trocado o "que" pelo "de", aparece a expressão "seu avó", "prestígio seu igual" ao invés de "prestígio sem igual", palavras faltando e outros erros tolos sem fim.

É apenas neste primeiro volume que reúne "No Caminho de Swann" e "À Sombra das Moças em Flor". Os outros dois volumes estão normais e corretos, como se espera. 

Isso a todo momento e a cada poucas páginas.

Pobre, ignorante, apressada, descuidada, relaxada.

Assim é a Editoração e Revisão de "Em Busca do Tempo Perdido", na publicação da Editora Nova Fronteira.

Hoje, tento ler em um Nível Natural, olhando para essa estrada cheio de cuidados, pois é cheia de buracos.

Entrei em contato com uma das revisoras indicadas, para saber se pretendiam publicar uma ERRATA, mesmo on-line. Expliquei que estou na página 547 do primeiro volume e já encontrei pelo menos uns 30 erros gritantes, irritantes e infantis. Ela me pediu que mandasse fotos dos erros (essa gente que depende dos outros para fazer o seu trabalho).

Estou decepcionado.

Para compensar estou confirmando a tradução através de comparação com a de Mário Quintana, na boa publicação da Abril Cultural. Ainda dou umas conferidas no PDF que baixei de La Bibliothèque électronique du Québec, só  para confirmar. 

Por exemplo...

Erro que verifiquei dezena de vezes neste volume, palavras juntadas. Na página 743 de À Sombra das Moças em Flor, 
esse deslize irritante muito próprio de quem usou um simples corretor automático de texto, ao invés de trabalhar de verdade e realizar uma verdadeira REVISÃO.

Assim "iludir à" virou "iludirá", sem nenhum sentido na frase.


Infelizmente, não é só esta editora neste volume que a pobre indústria gráfica brasileira mostra suas deficiências. 

O livro "Baudolino" de Umberto Eco. Li uma boa vintena de vezes a palavra "senão" quando deveria estar escrito "se não".

Quem errou foi a Editora Record em 2001.

terça-feira, 20 de março de 2018

Em busca de uma Tradução para Marcel Proust

Ler Marcel Proust é um prazer.

Descubro que temos um milhão de coisas em comum.

Percebo que ele vê o Mundo e sente as coisas quase como se fosse eu mesmo.

Longe de ser um escritor árido ou erudito, fala comigo com a mesma facilidade que um quadro ou uma música com a qual me identifico de maneira intensa e inexplicável, como uma epifania atrás da outra.

Mas, ai de mim, não sou capaz de ler no original francês. Leio um pouco, entendo quase tudo, mas não falo e, principalmente, não leio com fluência. Assim, a leitura é penosa e incompleta.

Só me resta ler traduções, significando que preciso recorrer às duas disponíveis no Português Brasileiro.



A primeira tradução é de autoria de Mario Quintana (1906 - 1994, gaúcho de Alegrete). Poeta, tradutor e Jornalista brasileiro, único tradutor do À Sombra das Raparigas em Flor e dos outros três primeiros livros de Em Busca do Tempo Perdido. Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade também atuaram na tradução dos demais livros de Marcel Proust para a Editora Globo no início dos anos 50.

A outra tradução é recente, feita por Fernando Py (1935, carioca). Poeta, crítico literário e tradutor de toda a obra de Proust.

Quem sou em para comparar, além de só ser leitor, ainda não li toda a tradução de Py. Mas uma coisa ou outra me chama atenção.

Vou ser bem específico numa frase, melhor, uma expressão  do "À Sombra...".

Enquanto está assim no original Francês: 

À l’ombre des jeunes filles en fleurs

 Vaugoubert n’a pas eu à faire face seulement aux intrigues de couloirs mais aux injures de folliculaires à gages qui plus tard, lâches comme l’est tout journaliste stipendié, ont été des premiers à demander l’aman, mais qui en attendant n’ont pas reculé à faire état, contre notre représentant, des ineptes accusations de gens sans aveu.


La Bibliothèque électronique du Québec
 Collection À tous les vents Volume 402 : version 1.0

Mario Quintana traduz como "jornalista estipendiado".

Fernando Py traduz como "jornalista venal".

Não dá para discordar de Quintana, apesar de Venal e Estipendiado terem significado semelhantes, estão longe de ser idênticos. Enquanto estipêndio é remuneração não assalariada, venal é o valor monetário atribuído a algo.

Logo, Marcel Proust usou stipendié, que tem a mesma origem latina de estipêndio, para se referir a um profissional de jornalismo que recebe remuneração para atender a outros interesses diferentes da divulgação dos fatos verdadeiros que tem por dever e  ética divulgar.

Estou lendo a tradução de Fernando Py. 

É mais fácil de ler, com certeza. Mas a escolha de palavras não acrescenta muito mais ao leitor. Foram escolhidas similares mais lugar-comum e menos castiças. Gosto do uso de palavras mais elaboradas e à beira do pedante como é Proust, é preciso reconhecer.

Outro detalhe é que a obra foi originalmente publicada entre 1911 e 1922 e a gente sempre espera que tenha um ranço de coisa antiga, de um tempo de mais classe do que o nosso, com uso de todas as possibilidades de uma língua e não só o punhadinho de palavras que usamos hoje em dia.

Por exemplo, Py traduz "psiquiatra" quando o termo é "alienista", que em francês é quase igual. Assim eram chamados os médicos de doenças mentais naquela época. 

Sinto que estou perdendo alguma coisa que nem Mario Quintana e nem Fernando Py  puderam me proporcionar, mas é o que tenho. 

Mas que estipendiado tem muito mais sonoridade do que venal, isso é inquestionável.

Um aspecto que acho muito perturbador nesta edição capa dura em box da Editora Nova Fronteira e que atrapalha demais a leitura, são os constantes erros de digitação ou impressão. 

Frases sem sentido trocando o "que" por "de". Outra passagem com "seu avó", ficando-se sem saber se ele queria dizer "seu avô" ou "sua avó". 

Em dois trechos simplesmente está faltando uma palavra inteira. Típico erro que uma revisão de texto do word não assinala.

E estou apenas no começo.

Mercadoria com defeito deveria ser substituída por outra em perfeito estado. Devolvo à editora e recebo outro sem erros, pois sou um consumidor lesado. 

Esta é a pobre indústria gráfica editorial brasileira.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Carta a J. D. Salinger



Caro Jerry Salinger

Como sei que você continua antenado com o que acontece em seu nome pelo Mundo, vou mandar pro astral da internet um recado prá voce ler.

Fique de boa. Não vou encher muito seu saco, cujo saco todo mundo sabe já encheu faz tempo.
Andam dizendo por aqui que você foi importante demais por ter sido o primeiro a por no papel impresso a voz da juventude  norteamericana. E isso é só o que falam de bom.

Dizem também que voce era um pedófilo sofisticado e que inspirou meia dúzia de mass murder. Que A Guerra te deixou tão travado na adolescência que nunca amadureceu e se tornou homem. Que nunca mais escreveu nada de bom e que, na melhor  das hipóteses, tinha uns parafusos de menos na cabeça.

Não vou dizer que te entendo. Mas, se no seu tempo já era difícil ser um INDIVÍDUO, voce não imagina o quanto hoje isso é impossível, penoso e tudo mais.

Aqui tá foda!

Andei pensando em voce ao dar uma  encadernada no The Catcher in the Rye.

Tenho o livrinho faz tempo e tava bem baleado. Aí juntei mais umas informações, dei uma consertada e encadernei.

Me deu a idéia de fazer a capa com um couro preto para representar o abismo e outro couro claro amarelinho para o campo de centeio, entende?

Para a ilustração, fiz aqueles bonequinhos de papel de mãos dadas, conhece?  Cortei em papel grosso e prensei no couro claro ainda úmido de cola. O negócio é para ficar parecendo um bando de crianças à beira do abismo. Ficou mais ou menos.

Fico pensando que é o que acontece hoje aqui: A gente indo pro buraco todo mundo junto, ainda cantando alguma musiquinha meio besta, de mão dada e tudo.

Tá bom! Gosto mais da metáfora do abismo como lugar onde sacrificamos nossa inocência e Holden nos socorre se tivermos sorte.

Agora o título.

“O Apanhador no Campo de Centeio”, prá mim, é uma merda de título apesar de voce ter aprovado, dizem. Mas é melhor do que no português de Portugal: “Agulha no Palheiro”. E muito melhor do que a proposta dos tradutores brasileiros “A Sentinela do Abismo”, bem no estilo pomposo-meloso que todo mundo curte por aqui.

Então mandei ver só “THE CATCHER”.

O livro é meu, o trabalho é meu. Mas te dou essa satisfação,  se por via das dúvidas voce ainda estiver de olho nas coisas por aqui.

Fique na tua aí.

Seu admirador


Pedro Malanski

Fotos do livro encadernado 




Folha de Guarda com marcador no mesmo papel

Capa da edição brasileira

Fotos de Informações que adicionei ao livro original

Capa de Edição em capa dura 

Última foto conhecida de Salinger, 2008

Foto de Salinger na contracapa das primeiras edições americanas, mandou retirar.



É ISSO.

terça-feira, 14 de abril de 2015

O Ler e o Não Ler

Ler é divertido.
Ou deveria ser.
Mas é caro e o produto é de péssima qualidade. Péssima relação custo-benefício.
Ler tem sido superestimado.
"É essencial para a educação.
"É uma forma de ampliar o vocabulário.
"As pessoas que gostam de ler são mais inteligentes, cultas e bem informadas.
"Você não leu o livro do filme?
"Ler é muito importante para o exito social.

"Ler é um hábito culto e elegante" é uma mentira que tem sido aplicada com muito sucesso pelo mercado editorial. com o objetivo de vender livros enormes a alto preço para um grande número de leitores fidelizados por intermináveis trilogias e pentalogias cheias dos mesmos clichês e truques de redação.


A Mística da Coisa Impressa
já me fez perder tempo com muita porcaria.




sábado, 3 de março de 2012

O Suicídio na Ficção

Lembrar das obras de literatura onde o suicídio é tema, recurso ou desfecho, daria ao meu texto a obrigação de mencionar os mesmos de sempre. O indefectível “Werther”, de Goethe, a conhecida “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert, o nacional “São Bernardo”, de Graciliano Ramos e o mais popular de todos, mas quase nunca associado ao tema suicídio, “Romeu e Julieta” de Shakespeare, que ao fim e ao cabo termina com o casal de amantes tirando a própria vida. São obras de ficção desde sempre e unanimemente classificadas como obras de literatura.

Mas existem outras obras cuja importância seria muito menor se o tema fosse retirado de seu enredo. Por sua popularidade e por suas qualidades relativas, não são classificadas como “Literatura”, mas exercem sobre nossa Sociedade enorme influência.

Por esse motivo, o título não é “O Suicídio na Literatura”, mas “na Ficção”. 



O Pequeno Príncipe

Romance de maior sucesso de Antoine Jean Baptiste Marie Roger Foscolombe de Saint-Exupéry filho do conde e condessa de Foscolombe (29 de junho de 1900, Lyon - 31 de julho de 1944, Mar Mediterrâneo) foi um escritor, ilustrador e piloto da Segunda Guerra Mundial.


Faleceu durante uma missão de reconhecimento sobre Grenoble e Annecy. Em 3 de novembro, em homenagem póstuma, recebeu as maiores honras do exército. Em 2004, os destroços do avião que pilotava foram achados a poucos quilômetros da costa de Marselha. Seu corpo jamais foi encontrado.

Suas obras foram caracterizadas por alguns elementos em comum, como a aviação, a guerra, a solidão e a fidelidade. Também escreveu artigos para várias revistas e jornais da França e outros países, sobre muitos assuntos, como a guerra civil espanhola e a ocupação alemã da França. Pessoalmente elejo sua obra póstuma “Cidadela” como a mais densa e impactante.

O Pequeno Príncipe (O Principezinho, em Portugal) (1943), é o romance de maior sucesso de Saint-Exupéry. Foi escrito durante o exílio nos Estados Unidos, quando fez visitas ao Recife. Conhecendo suas outras obras é fácil imaginar que um livro assim pudesse ter sido escrito por um homem como ele. Seus livros são cheios de melancolia, sentimentalismo e sensibilidade, revelando um homem em constante atrito emocional com o mundo à sua volta.

O Pequeno Príncipe é uma obra simples e direta, repleta simbolismos, constituindo uma metáfora do ser humano quando confrontado com a sociedade e suas regras e convenções. É a história de alguém que sai de seu mundo, confronta-o com outros mundos e, finalmente, retorna a seu mundo original procurando a ajuda do veneno de uma serpente.

Assim, o Príncipe aborta qualquer possibilidade de se tornar Rei. Como se fosse a criança e adolescente que sempre conheceu apenas o mundo seguro garantido por seus pais, morou na casa que não era sua, alimentado e vestido sem que para tanto tenha trabalhado. Confrontado com a necessidade de habitar por sua própria conta o vasto mundo à sua volta, elege matar a si mesmo. Assustado com a aridez do deserto que o recebeu, refugia-se no suicídio como rota de fuga. Quando chega a hora de assumir as obrigações e responsabilidades do Rei, não é capaz de antever a plenitude, a liberdade e o poder dessa nova condição, interrompendo a própria vida.

É a mais escrachada obra de ficção sobre o suicídio,  livremente indicada para crianças e adolescentes.



Canopus em Argus

Nascida Doris May Tayler,  Doris Lessing, nasceu em Kermanshah, no Irã, em 22 de outubro de 1919. Logo cedo, aos cinco anos, partiu com seus pais, o capitão Alfred Tayler e sua mulher Emily Maude Tayler, nascidos na Inglaterra, para a Rodésia do Sul, atual Zimbábue.

Ao completar sete anos, foi enviada a uma escola interna, sendo posteriormente remanejada para uma instituição escolar católica direcionada somente para meninas, localizada em Salisbury, hoje chamada de Harare, capital desta nação africana colonizada pelos britânicos.

Depois de contrair matrimônio duas vezes, com sua vida afetiva frustrada, ela se transfere com o filho Peter, em 1949, para a Inglaterra, levando em sua bagagem uma já vasta militância política. Neste país ela dá à luz seu primeiro romance, The Grass is Singing, no qual Lessing narra a profunda interação entre a esposa de um fazendeiro branco e sua empregada negra. O livro logo se torna um êxito no continente europeu e nos EUA.

Doris obteve, em 2007, seu reconhecimento máximo ao ser escolhida para receber o Prêmio Nobel de Literatura, entregue pela Academia Sueca. Esta instituição justifica a premiação como uma recompensa por seu poder de traduzir a questão feminina com um tom cético, vigoroso e idealista.

O seu trabalho mais volumoso quase nunca é citado em suas biografias, pois escapa à definição de literatura. A série “Canopus em Argus”, composta por cinco livros. O primeiro deles, “Shikasta”, é o melhor e o mais interessante, apesar da premissa que muitos consideram pseudo-ficção científica. A Terra é um campo de batalha mental-físico-ideológico entre os seres de Canopus, de Sírius e o maléfico império Shammat, e ela faz com que toda a tecnologia deles soe para nós como esoterismo, a começar pela Zona Seis, o método de transporte favorito desses alienígenas, e que não tem nada a ver com naves espaciais, mas com o método que nos acostumamos a chamar de reencarnação.

O viajante de Canopus, em sua missão de observar e, às vezes, interferir no curso dos acontecimentos terrenos, procura um rio para se afogar, uma arma para atirar em si mesmo ou qualquer método letal que o liberte da forma humana para viajar de volta à sua gloriosa civilização.

Só mesmo eu para encontrar este ponto em comum entre Sait-Exupéry e Doris Lessing.


A leitura sempre causa algum efeito no leitor. Em leitores normais, com alguma solidez mental e emocional, os efeitos são superficiais e passageiros, não se prolongando além de alguns dias. A informação é obtida, seus conteúdos são processados e absorvidos conforme as preferências próprias do leitor. Em seguida passa para outro livro,com outro assunto, para fruir novas aventuras e obter novos conhecimentos.

Agora, quando os temas são fortes, podem afetar o leitor além do razoável, quando endossados pela crítica, promovidos pelo mercado e, principalmente, romantizados e idealizados.

É preciso que as pessoas se conscientizem que o personagem Príncipe é apenas um menino solitário, ignorante e frágil, criado num contexto de Segunda Guerra Mundial por um homem melancólico, traído pela esposa e desiludido do mundo. Assim como Doris Lessing é uma mulher que se cansou de cortejar a literatura, que nunca lhe deu um padrão de vida razoável, para ingressar no lucrativo mercado de obras populares, vender em grandes quantidades e viajar pelo mundo como uma celebridade pop. Muito mais tarde, recebeu um merecido Nobel e um bom dinheiro como prêmio, a meu ver muito tarde.


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Livros que se foram

Dias de ira, quando perdi todos os livros que possuí.

Desde então, quando me falam de algum livro ou quando vejo um livro novinho na prateleira da livraria, um frase amargurada me ocorre: " Eu tinha esse livro."
 
Foi assim.

Não era nenhuma biblioteca, ou seja, não era um acervo representativo de um gênero literário ou de uma especialidade. Era só uma livraiada mesmo. Uns dois mil reunidos no passar dos anos, sem nenhum critério particular. Mas tinha muita coisa boa. Se quisesse cansar a paciência dos outros falando de alguns deles, ia ficar uma coisa nostálgica comum a qualquer pessoa que fica remoendo perdas. E talvez pouca gente ia entender, dependendo do apego de cada um a livros.

No começo, falava alto a frase "Porra! eu tinha esse livro...", bem assim com palavrão no começo e reticências no fim. Aos poucos fui me dando conta da tolice. Para uns parecia um lamento, para outros soava como uma mentira mesmo, ou ainda uma bravata onde eu me vangloriava de ter lido e ainda por cima ter possuído aquela obra. Isso quando não estragava tudo revelando: "Eu tinha todos os livros desse autor!" E tinha mesmo.

Mas continuo dizendo tanto uma como outra frase, agora mentalmente. Só que assim dói mais.

Afinal, perdi os livros por ter ido embora de um casamento ruinoso. Ela, com raiva por eu ter superado finalmente, vendeu tudo por trezentos reais para o XXXXXX, um sebo aqui de Curitiba. Podia ter sido para o Iraci, para o Espanhol ou mesmo feito uma enorme fogueira, o efeito seria o mesmo. Foi a gota d'água, mesmo depois de anos de judiação, traições e loucuras.

A reação dos amigos foi veemente. Queriam alegar apropriação indébita dela e receptação do sebo. E estou falando de uma advogado e de um promotor de justiça! Eu, catatônico, deixei ficar, mesmo depois de ir na loja e ver que um dos livros estava na vitrine central e vendido a sessenta reais, "A Imortalidade da Alma", não me lembro do autor, edição de 1912.

A gente tende a inventar mecanismos de defesa para lidar com traumas. O meu foi concluir que era até um alívio ficar livre de toda aquele lastro de livros e centenas de outras quinquilharias, deixando para trás toda aquela bagagem inútil para recomeçar livre e leve.

È... está certo e racionalizado, mas tinha tanto livro bom...

*
Esse post teve efeitos indesejados.
O dono do Sebo não gostou que eu o tivesse mencionado e pediu que eu retirasse a menção à sua Loja, pois não queria nenhuma menção negativa aparecendo na pesquisa do Google. Não era uma menção negativa, apenas revelei o quanto pagou pelos meus livros.
Um sebo é um sebo. Um estabelecimento que vende livros usados não é um espaço cultural. Não importa que se considere um pavão, pois todo mundo sabe que é um abutre que explora a ignorância e a necessidade quando compra e explora a ignorância e a paixão quando vende. 
Como o "LEOPARDO" não é um blog com compromissos, é só espaço para falar de livros, resolvi omitir a verdade, rendendo-me à censura, pois mesmo um abutre pode sempre cagar na nossa cabeça.
Fui ao sebo tentar reaver os livros e me ofereceram apenas um DESCONTO, ficando assim mesmo além de minhas possibilidades na época.

ADENDO
Lista de alguns que tem feito falta ultimamente.
- todos da coleção A Vida Cotidiana, publicados em Portugal e comprados com muito custo na Livraria do Chain.
- O "Livro Verde da Minha Campanha" de Plínio Salgado, onde ele cita minha bisavó falando de meu tio-avô, com uma dedicatória autografada pelo autor. Nada raro, apenas de família e caro.
- "Compêndio de Filosofia".
- Uma centena da Coleção Argonauta, ficção científica, publicado em Portugal.
- Coleção completa de "Amazing Stories" na versão em protuguês publicada pela Editora Globo, de PortoAlegre.
-Muitos da coleção "A Vida Cotidiana..." coisa boa.
- "Inri Cristo, Furacão sobre o Vaticano S/A" com dedicatória do próprio e do autor, uma curiosidade.
- Todos de Herman Hesse.
- "Religião na Dialética Socialista", uma pérola editada em Porto Alegre, mais não me lembro.
- "Resumo da Origem de Todos os Cultos" de C. F. Dupuis, cópia xerox que o Gino me deu.
- "Mein Kampf", de A. Hitler, que o Chain me deu.
- "Ulisses" de James Joyce, primeira edição brasileira,que sofri para encadernar todo em couro de jacaré.
- "Poésie et littérature française", que língua para poesia!
- Todos de EliphasLevi.
- "Documentário Arquitetônico"  de José Wasth Rodrigues, fascículos com estampas desse autor, publicados em 1944/1945. Tinha todos, encadernei em dois volumes. Só me sobraram dois fascículos.
 - Volumes das "Obras Completas de Sigmund Freud", o "O homem e seus símbolos" de K.
Young e tantos outros do tempo de Faculdade.
José Wasth Rodrigues - São Paulo, Casas Antigas - Documentário Arquitetônico, Fascículo I, Estampa 1

sábado, 21 de janeiro de 2012

1808

Levei muito tempo entre ouvir falar do lançamento do livro “1808” de Laurentino Gomes, em 2007, e finalmente comprar e ler por esses dias de Janeiro de 2012. E este foi meu erro.

Quando a gente fica adiando a leitura, acaba criando expectativas quanto ao livro. Esperando finalmente encontrar o muito que desejo saber sobre esse momento em nossa história, fico idealizando que o autor me presenteie com a mesma riqueza de texto e detalhes que uma vez encontrei em autores como Jacques Soustelle, Michel Chatelet e Suzanne Chantal, quando me contaram histórias de Portugal, do Antigo Egito, da India nos tempos de Jesus e por aí afora, todos trazendo fatos bem colocados, informações sólidas e abundantes, sempre com texto fluente e dinâmico.


Em “1808”, o subtítulo “Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil”, fica só na promessa e não conta esse “Como”.


Comecei a ler embalado e o começo parecia bom, mas o autor não foi feliz na sua empreitada.


Logo notei que, das 368 páginas, 58 vinham com notas e bibliografia. Até postei no facebook do autor que preferia mais de bom texto e menos de pura mania de quem faz tese de mestrado e mesmo trabalhos escolares. Se o texto é bom, me convencerá, Se não é, não adianta invocar a Biblioteca Nacional inteira.


Em “1808” o autor cometeu o uso excessivo de aspas ao transcrever textos de cronistas da época, ao invés de apenas usar estas informações para, na sua própria redação, compor um painel dos usos, costumes e crenças daquele ano no Brasil. Tornaria a leitura mais dinâmica e adequada aos novos leitores. Como ficou, compôs uma colcha de retalhos com muitos fragmentos repetidos, outros fora de contexto e todos muito evidentemente coligidos segundo a idiossincrasia do autor, ficando a impressão de que seu prisma é embaçado por preconceitos e seu ângulo limitado por ideologias, citando apenas o que é de seu particular interesse. A sensação final é a de infidelidade aos fatos históricos.


Talvez tenha tentado popularizar o trabalho ao utilizar elementos da Cultura Pop, mas me pareceu ingênuo e pueril ao comparar uma figura histórica com o Super-Homem e citando algumas vezes – pasmem – o filme de Carla Camurati, Carlota Joaquina, Princesa do Brazil .
Noutras vezes, critica a corrupção e o nepotismo como qualquer jornalista sem pauta faz hoje em dia. Nestes momentos deixa clara sua ideologia e rusticidade, desperdiçando espaço precioso em folhas de papel. Qualquer um sabe que todos os governos da Terra são feitos da mesma péssima matéria prima e quem já conheceu outros reis sabe que são excêntricos, loucos, brilhantes, como Luis XIV, Jorge III, Pedro, O Grande e outros de todos os tipos, muito poucos normais.


A impressão geral após a leitura é de que o autor escreveu cada linha como se fosse realmente um roteiro estendido do filme de Carla Camurati, que é uma obra artística onde todas as licenças são permitidas.


Reforçou preconceitos e consolidou estereótipos, como faria o Casseta&Planeta, com informações que já são do conhecimento de qualquer médio leitor brasileiro.

Procurou o ângulo mais politicamente correto possível do ponto de vista da “intelectualidade” corrente nos dias de hoje.


Quanto a mitigar a sede do leitor por informações, descrevendo os tempos de D. João VI no Brasil, compondo para nós um painel verossímel e fiel, esse livro “1808” é um fracasso.

Será que vou ler o próximo?