terça-feira, 20 de março de 2018

Em busca de uma Tradução para Marcel Proust

Ler Marcel Proust é um prazer.

Descubro que temos um milhão de coisas em comum.

Percebo que ele vê o Mundo e sente as coisas quase como se fosse eu mesmo.

Longe de ser um escritor árido ou erudito, fala comigo com a mesma facilidade que um quadro ou uma música com a qual me identifico de maneira intensa e inexplicável, como uma epifania atrás da outra.

Mas, ai de mim, não sou capaz de ler no original francês. Leio um pouco, entendo quase tudo, mas não falo e, principalmente, não leio com fluência. Assim, a leitura é penosa e incompleta.

Só me resta ler traduções, significando que preciso recorrer às duas disponíveis no Português Brasileiro.



A primeira tradução é de autoria de Mario Quintana (1906 - 1994, gaúcho de Alegrete). Poeta, tradutor e Jornalista brasileiro, único tradutor do À Sombra das Raparigas em Flor e dos outros três primeiros livros de Em Busca do Tempo Perdido. Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade também atuaram na tradução dos demais livros de Marcel Proust para a Editora Globo no início dos anos 50.

A outra tradução é recente, feita por Fernando Py (1935, carioca). Poeta, crítico literário e tradutor de toda a obra de Proust.

Quem sou em para comparar, além de só ser leitor, ainda não li toda a tradução de Py. Mas uma coisa ou outra me chama atenção.

Vou ser bem específico numa frase, melhor, uma expressão  do "À Sombra...".

Enquanto está assim no original Francês: 

À l’ombre des jeunes filles en fleurs

 Vaugoubert n’a pas eu à faire face seulement aux intrigues de couloirs mais aux injures de folliculaires à gages qui plus tard, lâches comme l’est tout journaliste stipendié, ont été des premiers à demander l’aman, mais qui en attendant n’ont pas reculé à faire état, contre notre représentant, des ineptes accusations de gens sans aveu.


La Bibliothèque électronique du Québec
 Collection À tous les vents Volume 402 : version 1.0

Mario Quintana traduz como "jornalista estipendiado".

Fernando Py traduz como "jornalista venal".

Não dá para discordar de Quintana, apesar de Venal e Estipendiado terem significado semelhantes, estão longe de ser idênticos. Enquanto estipêndio é remuneração não assalariada, venal é o valor monetário atribuído a algo.

Logo, Marcel Proust usou stipendié, que tem a mesma origem latina de estipêndio, para se referir a um profissional de jornalismo que recebe remuneração para atender a outros interesses diferentes da divulgação dos fatos verdadeiros que tem por dever e  ética divulgar.

Estou lendo a tradução de Fernando Py. 

É mais fácil de ler, com certeza. Mas a escolha de palavras não acrescenta muito mais ao leitor. Foram escolhidas similares mais lugar-comum e menos castiças. Gosto do uso de palavras mais elaboradas e à beira do pedante como é Proust, é preciso reconhecer.

Outro detalhe é que a obra foi originalmente publicada entre 1911 e 1922 e a gente sempre espera que tenha um ranço de coisa antiga, de um tempo de mais classe do que o nosso, com uso de todas as possibilidades de uma língua e não só o punhadinho de palavras que usamos hoje em dia.

Por exemplo, Py traduz "psiquiatra" quando o termo é "alienista", que em francês é quase igual. Assim eram chamados os médicos de doenças mentais naquela época. 

Sinto que estou perdendo alguma coisa que nem Mario Quintana e nem Fernando Py  puderam me proporcionar, mas é o que tenho. 

Mas que estipendiado tem muito mais sonoridade do que venal, isso é inquestionável.

Um aspecto que acho muito perturbador nesta edição capa dura em box da Editora Nova Fronteira e que atrapalha demais a leitura, são os constantes erros de digitação ou impressão. 

Frases sem sentido trocando o "que" por "de". Outra passagem com "seu avó", ficando-se sem saber se ele queria dizer "seu avô" ou "sua avó". 

Em dois trechos simplesmente está faltando uma palavra inteira. Típico erro que uma revisão de texto do word não assinala.

E estou apenas no começo.

Mercadoria com defeito deveria ser substituída por outra em perfeito estado. Devolvo à editora e recebo outro sem erros, pois sou um consumidor lesado. 

Esta é a pobre indústria gráfica editorial brasileira.

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