sábado, 3 de março de 2012

O Suicídio na Ficção

Lembrar das obras de literatura onde o suicídio é tema, recurso ou desfecho, daria ao meu texto a obrigação de mencionar os mesmos de sempre. O indefectível “Werther”, de Goethe, a conhecida “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert, o nacional “São Bernardo”, de Graciliano Ramos e o mais popular de todos, mas quase nunca associado ao tema suicídio, “Romeu e Julieta” de Shakespeare, que ao fim e ao cabo termina com o casal de amantes tirando a própria vida. São obras de ficção desde sempre e unanimemente classificadas como obras de literatura.

Mas existem outras obras cuja importância seria muito menor se o tema fosse retirado de seu enredo. Por sua popularidade e por suas qualidades relativas, não são classificadas como “Literatura”, mas exercem sobre nossa Sociedade enorme influência.

Por esse motivo, o título não é “O Suicídio na Literatura”, mas “na Ficção”. 



O Pequeno Príncipe

Romance de maior sucesso de Antoine Jean Baptiste Marie Roger Foscolombe de Saint-Exupéry filho do conde e condessa de Foscolombe (29 de junho de 1900, Lyon - 31 de julho de 1944, Mar Mediterrâneo) foi um escritor, ilustrador e piloto da Segunda Guerra Mundial.


Faleceu durante uma missão de reconhecimento sobre Grenoble e Annecy. Em 3 de novembro, em homenagem póstuma, recebeu as maiores honras do exército. Em 2004, os destroços do avião que pilotava foram achados a poucos quilômetros da costa de Marselha. Seu corpo jamais foi encontrado.

Suas obras foram caracterizadas por alguns elementos em comum, como a aviação, a guerra, a solidão e a fidelidade. Também escreveu artigos para várias revistas e jornais da França e outros países, sobre muitos assuntos, como a guerra civil espanhola e a ocupação alemã da França. Pessoalmente elejo sua obra póstuma “Cidadela” como a mais densa e impactante.

O Pequeno Príncipe (O Principezinho, em Portugal) (1943), é o romance de maior sucesso de Saint-Exupéry. Foi escrito durante o exílio nos Estados Unidos, quando fez visitas ao Recife. Conhecendo suas outras obras é fácil imaginar que um livro assim pudesse ter sido escrito por um homem como ele. Seus livros são cheios de melancolia, sentimentalismo e sensibilidade, revelando um homem em constante atrito emocional com o mundo à sua volta.

O Pequeno Príncipe é uma obra simples e direta, repleta simbolismos, constituindo uma metáfora do ser humano quando confrontado com a sociedade e suas regras e convenções. É a história de alguém que sai de seu mundo, confronta-o com outros mundos e, finalmente, retorna a seu mundo original procurando a ajuda do veneno de uma serpente.

Assim, o Príncipe aborta qualquer possibilidade de se tornar Rei. Como se fosse a criança e adolescente que sempre conheceu apenas o mundo seguro garantido por seus pais, morou na casa que não era sua, alimentado e vestido sem que para tanto tenha trabalhado. Confrontado com a necessidade de habitar por sua própria conta o vasto mundo à sua volta, elege matar a si mesmo. Assustado com a aridez do deserto que o recebeu, refugia-se no suicídio como rota de fuga. Quando chega a hora de assumir as obrigações e responsabilidades do Rei, não é capaz de antever a plenitude, a liberdade e o poder dessa nova condição, interrompendo a própria vida.

É a mais escrachada obra de ficção sobre o suicídio,  livremente indicada para crianças e adolescentes.



Canopus em Argus

Nascida Doris May Tayler,  Doris Lessing, nasceu em Kermanshah, no Irã, em 22 de outubro de 1919. Logo cedo, aos cinco anos, partiu com seus pais, o capitão Alfred Tayler e sua mulher Emily Maude Tayler, nascidos na Inglaterra, para a Rodésia do Sul, atual Zimbábue.

Ao completar sete anos, foi enviada a uma escola interna, sendo posteriormente remanejada para uma instituição escolar católica direcionada somente para meninas, localizada em Salisbury, hoje chamada de Harare, capital desta nação africana colonizada pelos britânicos.

Depois de contrair matrimônio duas vezes, com sua vida afetiva frustrada, ela se transfere com o filho Peter, em 1949, para a Inglaterra, levando em sua bagagem uma já vasta militância política. Neste país ela dá à luz seu primeiro romance, The Grass is Singing, no qual Lessing narra a profunda interação entre a esposa de um fazendeiro branco e sua empregada negra. O livro logo se torna um êxito no continente europeu e nos EUA.

Doris obteve, em 2007, seu reconhecimento máximo ao ser escolhida para receber o Prêmio Nobel de Literatura, entregue pela Academia Sueca. Esta instituição justifica a premiação como uma recompensa por seu poder de traduzir a questão feminina com um tom cético, vigoroso e idealista.

O seu trabalho mais volumoso quase nunca é citado em suas biografias, pois escapa à definição de literatura. A série “Canopus em Argus”, composta por cinco livros. O primeiro deles, “Shikasta”, é o melhor e o mais interessante, apesar da premissa que muitos consideram pseudo-ficção científica. A Terra é um campo de batalha mental-físico-ideológico entre os seres de Canopus, de Sírius e o maléfico império Shammat, e ela faz com que toda a tecnologia deles soe para nós como esoterismo, a começar pela Zona Seis, o método de transporte favorito desses alienígenas, e que não tem nada a ver com naves espaciais, mas com o método que nos acostumamos a chamar de reencarnação.

O viajante de Canopus, em sua missão de observar e, às vezes, interferir no curso dos acontecimentos terrenos, procura um rio para se afogar, uma arma para atirar em si mesmo ou qualquer método letal que o liberte da forma humana para viajar de volta à sua gloriosa civilização.

Só mesmo eu para encontrar este ponto em comum entre Sait-Exupéry e Doris Lessing.


A leitura sempre causa algum efeito no leitor. Em leitores normais, com alguma solidez mental e emocional, os efeitos são superficiais e passageiros, não se prolongando além de alguns dias. A informação é obtida, seus conteúdos são processados e absorvidos conforme as preferências próprias do leitor. Em seguida passa para outro livro,com outro assunto, para fruir novas aventuras e obter novos conhecimentos.

Agora, quando os temas são fortes, podem afetar o leitor além do razoável, quando endossados pela crítica, promovidos pelo mercado e, principalmente, romantizados e idealizados.

É preciso que as pessoas se conscientizem que o personagem Príncipe é apenas um menino solitário, ignorante e frágil, criado num contexto de Segunda Guerra Mundial por um homem melancólico, traído pela esposa e desiludido do mundo. Assim como Doris Lessing é uma mulher que se cansou de cortejar a literatura, que nunca lhe deu um padrão de vida razoável, para ingressar no lucrativo mercado de obras populares, vender em grandes quantidades e viajar pelo mundo como uma celebridade pop. Muito mais tarde, recebeu um merecido Nobel e um bom dinheiro como prêmio, a meu ver muito tarde.


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Livros que se foram

Dias de ira, quando perdi todos os livros que possuí.

Desde então, quando me falam de algum livro ou quando vejo um livro novinho na prateleira da livraria, um frase amargurada me ocorre: " Eu tinha esse livro."
 
Foi assim.

Não era nenhuma biblioteca, ou seja, não era um acervo representativo de um gênero literário ou de uma especialidade. Era só uma livraiada mesmo. Uns dois mil reunidos no passar dos anos, sem nenhum critério particular. Mas tinha muita coisa boa. Se quisesse cansar a paciência dos outros falando de alguns deles, ia ficar uma coisa nostálgica comum a qualquer pessoa que fica remoendo perdas. E talvez pouca gente ia entender, dependendo do apego de cada um a livros.

No começo, falava alto a frase "Porra! eu tinha esse livro...", bem assim com palavrão no começo e reticências no fim. Aos poucos fui me dando conta da tolice. Para uns parecia um lamento, para outros soava como uma mentira mesmo, ou ainda uma bravata onde eu me vangloriava de ter lido e ainda por cima ter possuído aquela obra. Isso quando não estragava tudo revelando: "Eu tinha todos os livros desse autor!" E tinha mesmo.

Mas continuo dizendo tanto uma como outra frase, agora mentalmente. Só que assim dói mais.

Afinal, perdi os livros por ter ido embora de um casamento ruinoso. Ela, com raiva por eu ter superado finalmente, vendeu tudo por trezentos reais para o XXXXXX, um sebo aqui de Curitiba. Podia ter sido para o Iraci, para o Espanhol ou mesmo feito uma enorme fogueira, o efeito seria o mesmo. Foi a gota d'água, mesmo depois de anos de judiação, traições e loucuras.

A reação dos amigos foi veemente. Queriam alegar apropriação indébita dela e receptação do sebo. E estou falando de uma advogado e de um promotor de justiça! Eu, catatônico, deixei ficar, mesmo depois de ir na loja e ver que um dos livros estava na vitrine central e vendido a sessenta reais, "A Imortalidade da Alma", não me lembro do autor, edição de 1912.

A gente tende a inventar mecanismos de defesa para lidar com traumas. O meu foi concluir que era até um alívio ficar livre de toda aquele lastro de livros e centenas de outras quinquilharias, deixando para trás toda aquela bagagem inútil para recomeçar livre e leve.

È... está certo e racionalizado, mas tinha tanto livro bom...

*
Esse post teve efeitos indesejados.
O dono do Sebo não gostou que eu o tivesse mencionado e pediu que eu retirasse a menção à sua Loja, pois não queria nenhuma menção negativa aparecendo na pesquisa do Google. Não era uma menção negativa, apenas revelei o quanto pagou pelos meus livros.
Um sebo é um sebo. Um estabelecimento que vende livros usados não é um espaço cultural. Não importa que se considere um pavão, pois todo mundo sabe que é um abutre que explora a ignorância e a necessidade quando compra e explora a ignorância e a paixão quando vende. 
Como o "LEOPARDO" não é um blog com compromissos, é só espaço para falar de livros, resolvi omitir a verdade, rendendo-me à censura, pois mesmo um abutre pode sempre cagar na nossa cabeça.
Fui ao sebo tentar reaver os livros e me ofereceram apenas um DESCONTO, ficando assim mesmo além de minhas possibilidades na época.

ADENDO
Lista de alguns que tem feito falta ultimamente.
- todos da coleção A Vida Cotidiana, publicados em Portugal e comprados com muito custo na Livraria do Chain.
- O "Livro Verde da Minha Campanha" de Plínio Salgado, onde ele cita minha bisavó falando de meu tio-avô, com uma dedicatória autografada pelo autor. Nada raro, apenas de família e caro.
- "Compêndio de Filosofia".
- Uma centena da Coleção Argonauta, ficção científica, publicado em Portugal.
- Coleção completa de "Amazing Stories" na versão em protuguês publicada pela Editora Globo, de PortoAlegre.
-Muitos da coleção "A Vida Cotidiana..." coisa boa.
- "Inri Cristo, Furacão sobre o Vaticano S/A" com dedicatória do próprio e do autor, uma curiosidade.
- Todos de Herman Hesse.
- "Religião na Dialética Socialista", uma pérola editada em Porto Alegre, mais não me lembro.
- "Resumo da Origem de Todos os Cultos" de C. F. Dupuis, cópia xerox que o Gino me deu.
- "Mein Kampf", de A. Hitler, que o Chain me deu.
- "Ulisses" de James Joyce, primeira edição brasileira,que sofri para encadernar todo em couro de jacaré.
- "Poésie et littérature française", que língua para poesia!
- Todos de EliphasLevi.
- "Documentário Arquitetônico"  de José Wasth Rodrigues, fascículos com estampas desse autor, publicados em 1944/1945. Tinha todos, encadernei em dois volumes. Só me sobraram dois fascículos.
 - Volumes das "Obras Completas de Sigmund Freud", o "O homem e seus símbolos" de K.
Young e tantos outros do tempo de Faculdade.
José Wasth Rodrigues - São Paulo, Casas Antigas - Documentário Arquitetônico, Fascículo I, Estampa 1

sábado, 21 de janeiro de 2012

1808

Levei muito tempo entre ouvir falar do lançamento do livro “1808” de Laurentino Gomes, em 2007, e finalmente comprar e ler por esses dias de Janeiro de 2012. E este foi meu erro.

Quando a gente fica adiando a leitura, acaba criando expectativas quanto ao livro. Esperando finalmente encontrar o muito que desejo saber sobre esse momento em nossa história, fico idealizando que o autor me presenteie com a mesma riqueza de texto e detalhes que uma vez encontrei em autores como Jacques Soustelle, Michel Chatelet e Suzanne Chantal, quando me contaram histórias de Portugal, do Antigo Egito, da India nos tempos de Jesus e por aí afora, todos trazendo fatos bem colocados, informações sólidas e abundantes, sempre com texto fluente e dinâmico.


Em “1808”, o subtítulo “Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil”, fica só na promessa e não conta esse “Como”.


Comecei a ler embalado e o começo parecia bom, mas o autor não foi feliz na sua empreitada.


Logo notei que, das 368 páginas, 58 vinham com notas e bibliografia. Até postei no facebook do autor que preferia mais de bom texto e menos de pura mania de quem faz tese de mestrado e mesmo trabalhos escolares. Se o texto é bom, me convencerá, Se não é, não adianta invocar a Biblioteca Nacional inteira.


Em “1808” o autor cometeu o uso excessivo de aspas ao transcrever textos de cronistas da época, ao invés de apenas usar estas informações para, na sua própria redação, compor um painel dos usos, costumes e crenças daquele ano no Brasil. Tornaria a leitura mais dinâmica e adequada aos novos leitores. Como ficou, compôs uma colcha de retalhos com muitos fragmentos repetidos, outros fora de contexto e todos muito evidentemente coligidos segundo a idiossincrasia do autor, ficando a impressão de que seu prisma é embaçado por preconceitos e seu ângulo limitado por ideologias, citando apenas o que é de seu particular interesse. A sensação final é a de infidelidade aos fatos históricos.


Talvez tenha tentado popularizar o trabalho ao utilizar elementos da Cultura Pop, mas me pareceu ingênuo e pueril ao comparar uma figura histórica com o Super-Homem e citando algumas vezes – pasmem – o filme de Carla Camurati, Carlota Joaquina, Princesa do Brazil .
Noutras vezes, critica a corrupção e o nepotismo como qualquer jornalista sem pauta faz hoje em dia. Nestes momentos deixa clara sua ideologia e rusticidade, desperdiçando espaço precioso em folhas de papel. Qualquer um sabe que todos os governos da Terra são feitos da mesma péssima matéria prima e quem já conheceu outros reis sabe que são excêntricos, loucos, brilhantes, como Luis XIV, Jorge III, Pedro, O Grande e outros de todos os tipos, muito poucos normais.


A impressão geral após a leitura é de que o autor escreveu cada linha como se fosse realmente um roteiro estendido do filme de Carla Camurati, que é uma obra artística onde todas as licenças são permitidas.


Reforçou preconceitos e consolidou estereótipos, como faria o Casseta&Planeta, com informações que já são do conhecimento de qualquer médio leitor brasileiro.

Procurou o ângulo mais politicamente correto possível do ponto de vista da “intelectualidade” corrente nos dias de hoje.


Quanto a mitigar a sede do leitor por informações, descrevendo os tempos de D. João VI no Brasil, compondo para nós um painel verossímel e fiel, esse livro “1808” é um fracasso.

Será que vou ler o próximo?