terça-feira, 16 de junho de 2009

O Olhar do Leopardo


Dom Fabrizio é um homem singular. Nascido nobre de longa linhagem, conquistou vasta cultura, mesma para os padrões dos nobres seus contemporâneos. Conhecia os grandes autores da literatura em suas línguas originais, percorreu o mundo civilizado e especializou-se em astronomia. Capaz de meditações originais e análises em perspectiva, sabia avaliar o mundo à sua volta com lucidez.

No pequeno romance, demonstra diversas vezes esse olhar crítico que conflita com preconceitos e preceitos que até hoje, com toda nossa urbanidade e americanização, só recrudesceram. Como quando admite para si mesmo que seu filho natural é limitado, até estúpido, quando comparado ao seu sobrinho Tancredi. Ou quando lamenta que o poder dos senhores feudais de seu tempo não lhe permitam certos prazeres. E em outras ocasiões, sempre tocando onde mais dói sem nenhuma piedade, principalmente consigo mesmo.

Esse tipo de consciência sempre me perseguiu. Daí me identificar tanto com o livro.

Outro autor que me apontou esse problema de caráter, foi Umberto Eco, num livrinho “Viagem na Irrealidade Cotidiana”, uma coletânea de artigos e crônicas analisando sem perdão as atualidades de Comunicação e a estupidez humana. Aliás, foi uma citação ligeira do Eco, num sofrível livro seu "A Mágica Chama da Rainha Loana" que me fez comprar "O Leopardo". Num certo trecho do livro "Viagem...", conta da sensação de irrealidade que o invade quando se defronta com certas situações cotidianas. Como se pergunta o significado de certos gestos, costumes, usos e atitudes, até se perguntar como a humanidade pode chegar nesse ponto. Qual o objetivo e o significado?

Todo dia, acontece alguma coisa que desperta essa sensação. Ou um monte de coisas. Depende do dia. Por exemplo, o que é uma gravata além de um pano estúpido que você pendura no pescoço, que um dia serviu para fazer escorregar a cinza de charuto enquanto a homarada se reunia para conversações? Qual a razão de existência de um instituto de metereologia que diz que só vai chover dali a três dias e naquela madrugada você acorda assustado com trovões, pois não ia chover, sofrendo todo o dia seguinte com água que cai à vontade? E olha que o sujeito que estudou, dispõe de satélites, estações, computadores, estatísticas e pessoal com largos recursos financeiros, foi categórico e até soberbo em seu prognóstico. Quem já acordou azedo e se perguntou para que serve arte, essa coisa estúpida, quase sempre sem sentido, sabe do que estou falando. Quem um dia concluiu que só se enrolou na vida, com mulheres, filhos, amigos e trabalho que não tem nada a ver consigo, entende. Outras mil perguntas, tipo: como um motor de automóvel fabricado ontem ainda é primitivo, sujo, frágil e ineficiente. Perguntas universais, tipo: para que serve afinal um vereador, deputado ou senador?

Assim vai, até todo dia se perguntar, depois de olhar em torno, para seus rituais diários, seu trabalho antes tão excitante e hoje insuportavelmente maçante, para uma embalagem de papelão que cobre um invólucro plástico que acomoda um papel alumínio, para toda a inacreditável reunião de tolices à sua volta:
O que é que eu estou fazendo aqui?