quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Livros que se foram

Dias de ira, quando perdi todos os livros que possuí.

Desde então, quando me falam de algum livro ou quando vejo um livro novinho na prateleira da livraria, um frase amargurada me ocorre: " Eu tinha esse livro."
 
Foi assim.

Não era nenhuma biblioteca, ou seja, não era um acervo representativo de um gênero literário ou de uma especialidade. Era só uma livraiada mesmo. Uns dois mil reunidos no passar dos anos, sem nenhum critério particular. Mas tinha muita coisa boa. Se quisesse cansar a paciência dos outros falando de alguns deles, ia ficar uma coisa nostálgica comum a qualquer pessoa que fica remoendo perdas. E talvez pouca gente ia entender, dependendo do apego de cada um a livros.

No começo, falava alto a frase "Porra! eu tinha esse livro...", bem assim com palavrão no começo e reticências no fim. Aos poucos fui me dando conta da tolice. Para uns parecia um lamento, para outros soava como uma mentira mesmo, ou ainda uma bravata onde eu me vangloriava de ter lido e ainda por cima ter possuído aquela obra. Isso quando não estragava tudo revelando: "Eu tinha todos os livros desse autor!" E tinha mesmo.

Mas continuo dizendo tanto uma como outra frase, agora mentalmente. Só que assim dói mais.

Afinal, perdi os livros por ter ido embora de um casamento ruinoso. Ela, com raiva por eu ter superado finalmente, vendeu tudo por trezentos reais para o XXXXXX, um sebo aqui de Curitiba. Podia ter sido para o Iraci, para o Espanhol ou mesmo feito uma enorme fogueira, o efeito seria o mesmo. Foi a gota d'água, mesmo depois de anos de judiação, traições e loucuras.

A reação dos amigos foi veemente. Queriam alegar apropriação indébita dela e receptação do sebo. E estou falando de uma advogado e de um promotor de justiça! Eu, catatônico, deixei ficar, mesmo depois de ir na loja e ver que um dos livros estava na vitrine central e vendido a sessenta reais, "A Imortalidade da Alma", não me lembro do autor, edição de 1912.

A gente tende a inventar mecanismos de defesa para lidar com traumas. O meu foi concluir que era até um alívio ficar livre de toda aquele lastro de livros e centenas de outras quinquilharias, deixando para trás toda aquela bagagem inútil para recomeçar livre e leve.

È... está certo e racionalizado, mas tinha tanto livro bom...

*
Esse post teve efeitos indesejados.
O dono do Sebo não gostou que eu o tivesse mencionado e pediu que eu retirasse a menção à sua Loja, pois não queria nenhuma menção negativa aparecendo na pesquisa do Google. Não era uma menção negativa, apenas revelei o quanto pagou pelos meus livros.
Um sebo é um sebo. Um estabelecimento que vende livros usados não é um espaço cultural. Não importa que se considere um pavão, pois todo mundo sabe que é um abutre que explora a ignorância e a necessidade quando compra e explora a ignorância e a paixão quando vende. 
Como o "LEOPARDO" não é um blog com compromissos, é só espaço para falar de livros, resolvi omitir a verdade, rendendo-me à censura, pois mesmo um abutre pode sempre cagar na nossa cabeça.
Fui ao sebo tentar reaver os livros e me ofereceram apenas um DESCONTO, ficando assim mesmo além de minhas possibilidades na época.

ADENDO
Lista de alguns que tem feito falta ultimamente.
- todos da coleção A Vida Cotidiana, publicados em Portugal e comprados com muito custo na Livraria do Chain.
- O "Livro Verde da Minha Campanha" de Plínio Salgado, onde ele cita minha bisavó falando de meu tio-avô, com uma dedicatória autografada pelo autor. Nada raro, apenas de família e caro.
- "Compêndio de Filosofia".
- Uma centena da Coleção Argonauta, ficção científica, publicado em Portugal.
- Coleção completa de "Amazing Stories" na versão em protuguês publicada pela Editora Globo, de PortoAlegre.
-Muitos da coleção "A Vida Cotidiana..." coisa boa.
- "Inri Cristo, Furacão sobre o Vaticano S/A" com dedicatória do próprio e do autor, uma curiosidade.
- Todos de Herman Hesse.
- "Religião na Dialética Socialista", uma pérola editada em Porto Alegre, mais não me lembro.
- "Resumo da Origem de Todos os Cultos" de C. F. Dupuis, cópia xerox que o Gino me deu.
- "Mein Kampf", de A. Hitler, que o Chain me deu.
- "Ulisses" de James Joyce, primeira edição brasileira,que sofri para encadernar todo em couro de jacaré.
- "Poésie et littérature française", que língua para poesia!
- Todos de EliphasLevi.
- "Documentário Arquitetônico"  de José Wasth Rodrigues, fascículos com estampas desse autor, publicados em 1944/1945. Tinha todos, encadernei em dois volumes. Só me sobraram dois fascículos.
 - Volumes das "Obras Completas de Sigmund Freud", o "O homem e seus símbolos" de K.
Young e tantos outros do tempo de Faculdade.
José Wasth Rodrigues - São Paulo, Casas Antigas - Documentário Arquitetônico, Fascículo I, Estampa 1

Um comentário:

  1. E os Argonautas!!! Os argonautas!!!
    Tá, tinha um monte de livro que intelectual adora dizer que leu. Mas tinhas os Argonautas!!!

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